sexta-feira, 29 de junho de 2012

Meu ideal seria escrever

Meu ideal seria escrever com ritmo. Com ritmo e com samba. E com rima. Não de uma forma que ficasse estranho. Mas de um jeito que, de repente, causasse um sorriso frouxo nos lábios de quem lesse. Como se faz quando a gente lê uma palavra engraçada. Rouxinol.

Escrever a leveza do sorriso do passarinho quando canta, cedinho, quando a gente chega em casa. Depois de uma noite cheia de brilho, de lua e de estrelas colorindo o céu. Escrever a rua, deserta e silenciosa, onde só se ouve o cochichar dos gatos. Ou das camas.

Meu ideal seria escrever o faiscar das bochechas vermelhas, quando sentem um primeiro carinho. Ou o adormecer das pálpebras, tranquilo, quando se tem quem a gente ama ali, ao lado. Escrever o silêncio que precede o primeiro beijo, quando não se há mais o que dizer. Ou o calor das mãos que se tocam pela primeira vez.

Meu ideal seria escrever sobre dias líricos, bandas no meio da rua, cantando canções que fizessem todo mundo ir para as janelas. Escrever uma música, uma melodia, algo que um casal, quando a ouvisse, destruísse toda e qualquer forma de desarmonia. E que se dessem as mãos, e arrumassem uma forma de continuar. Escrever sobre aquela senhora que, até hoje, sabe da vida de todo mundo. E que seus cabelos brancos insistem em descrever uma vida cheia de garra. De luta. E de honra. Mas que agora já é tarde.

Escrever uma história bonita, dessas, de amor. Que causam na gente a impressão de que o amor existe, mesmo. E que é ele que torna a vida mais leve, mais fácil, mais afável. Escrever, em letras, o cheiro que emana da pele de quem eu amo. E o cheiro do braço dela, onde eu dormia, antigamente.

Meu ideal seria escrever a careta que o pequenino faz, quando recebe um beijo. Ou daquilo que eu senti, quando ele adormeceu aninhado nos meus braços, pela primeira vez. Escrever sobre como uma brisa invade a casa, quando ele chega. Escrever sobre bolas, sobre festas, sobre música.

Escrever uma história para que eu possa lhe contar antes de dormir. E que, com ela, ele tenha inúmeros sonhos. E não se esqueça, jamais, de sonhar. Meu ideal seria escrever para avisar a todos que não se pode desistir. Mesmo que a gente pareça estar na contra-mão.

Meu ideal seria destruir com minha palavra o que me incomodou, como diz o poeta. Mas que eu faça isso de uma forma amena. Que eu escreva linhas que podem ser tortas, que podem ser esféricas, até, mas que sejam coloridas. Pintadas, com giz de cera, de todas as cores.

Meu ideal seria escrever um manifesto, convidando todos à felicidade. E que, quando lessem, todos os políticos, todas as autoridades, abrissem as celas da prisão. E que todos saíssem pelo meio da rua, encantados com tanto amor que estavam sentindo.

Bêbabos. Trôpegos.

Vamos caminhar de mãos dadas?



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Depois de ler "Meu ideal seria escrever", de Rubem Braga, e "Meu ideal seria escrever", de Jaya Magalhães