segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Sonho


eu te chamaria de anjo, não fossem todos os pensamentos sujos que tenho contigo. te colocaria uma auréola, te encomendaria asas, não fosse essa vontade louca, insana, estranha, de passar os restos das minhas noites ao teu lado. não fosse esse desejo de te acordar no meio da madrugada com um beijo em teu rosto, eu juro, eu arriscaria: perguntaria de onde você veio, como é a vida por lá, conversaria contigo até o amanhecer e, aí, novamente, faria amor contigo.

mesmo, talvez, você sendo um anjo.

eu te contaria todos os meus quereres, todos os meus sonhos, minhas dúvidas e incertezas, não fosse esse meu medo de te assustar. mas, por outro lado, também te falaria da paz que você me traz, de como é bom sentir o teu cheiro e como, com ele, eu faço ninho no vento, me acomodando em desassossego.

eu te falaria de como, pra mim, você é uma daquelas provas da existência de Deus. de novo, eu agradeceria, em silêncio, a Ele, por ter te colocado encostado no meu peito, em algum desses momentos carregados de magia que acontecem, vez ou outra, só pra nos enlouquecer.

eu te envolveria em exageros, gritaria aos quatro cantos do mundo o bem-querer, acreditaria que o mundo seria um lugar mais nobre só pelo fato de estarmos juntos - e unidos. no momento em que, enfim, você acordasse, eu deixaria de lado os subjuntivos, pretéritos e futuros, e tomaria, contigo, café em uma xícara de porcelana - e, a cada gole, te ofereceria um pedaço. logo depois, enfrentaria o dia a dia, e tudo o que ele nos trouxesse - tempestades, trovoadas, ou somente o pôr do sol no fim de uma tarde ensolarada.

mas estaríamos juntos - e unidos.

eu escreveria estrofes, te desenharia em nuvens, te chamaria para ler poesias num barzinho qualquer de esquina - cafona, assim como o nosso amor.

voltaria a compor músicas, acenderia velas e incensos, acordaria no meio da madrugada - novamente - só pra te despertar de um pesadelo qualquer. eu tentaria acrobacias, aceitaria as leis da física, do universo, inventaria outras regras, quebraria nossas normas, acordaria todos os vizinhos com o som da nossa música preferida tocando no vinil em pleno amanhecer.

eu te daria sorrisos, beijos e lembranças, em um sábado qualquer. de domingo a domingo, te chamaria, enfim, de amor. Enfim, assim, em letras maiúsculas, para todo mundo ver.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Chuva fina

veja bem -

é que eu tenho um cer-
to medo de ver
a
s
coisas
se
que-
bran-
do
,
e
s
v
a
z
i
a
n
d
o
.
.
.
com efeito.

(arquivo - 11/10/2013)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Diálogo I

- Por que você me chamou aqui?
- Porque queria te ver.
- Você tava com saudade de mim?
- Não. De mim.
- Não entendi.
- Tava com saudade de mim.
- Essa parte deu pra entender. Mas por que você quis me ver?
- Por isso.
- Tá bem. Acho que já vou.
- Você quer beber alguma coisa?
- Você quer falar alguma coisa?
- Acho que não. Só queria te ver. Você quer beber alguma coisa?
- Qual a bebida mais forte que você tem?
- Mais forte? Por que? Você tá bem?
- Eu não queria te ver.
- E por que você veio?
- Porque achei que você tinha algo pra dizer.
- Como assim "algo"?
- Algo. Onde estão as garrafas?
- Que garrafas?
- Da bebida que você ofereceu.
- Mas você quer a bebida ou a garrafa?
- Queria engarrafar o que eu sinto por você e jogar bem longe. Mas, por enquanto, serve só a bebida.
- Eu não te entendo.
- Nem eu.
- Você não se entende?
- Também. Mas também não entendo você.
- Aqui, a bebida.
- Obrigada. Você não vai beber também?
- Acho melhor não. Se eu beber e você também, a gente sabe o que vai acontecer.
- O que vai acontecer?
- Você sabe.
- Eu não sei.
- Então vou beber.
- Bebe. Mas por que, mesmo, você quis me ver?
- Acho que também não entendo.
- E tem que entender?
- Dizem que sim.
- Mas eu não quero. Você quer?
- Acho que não.
- Coloca mais um pouco?
- A gente não devia fazer isso.
- Também acho que você não devia ter me chamado aqui.
- E por que você veio?
- Porque, no fundo, acho que também tava com saudade de mim.
- E quando isso vai passar?
- A saudade?
- Não, a gente.
- Não sei. Dizem que um amor engole o outro. Cadê sua taça? Ela ainda tá cheia. Por que você não tá bebendo?
- É que eu não quero te engolir.
- Ainda bem.
- Mas acho que é preciso. Existem caminhos que não deveriam ter se cruzado.
- O nosso?
- Acho que sim.
- Por que você bebeu tudo de uma vez? Assim você vai passar mal.
- Poeticamente falando, seria uma overdose de amor.
- Não. Se você continuar assim, o que vai acontecer é que você vai acabar no hospital, tomando glicose.
- Mas aí talvez o susto seja grande e eu largue isso de vez.
- Você tá falando de mim ou da bebida? Tá parecendo um alcoólatra.
- Dos dois.
- Por que você é assim?
- Assim como?
- Assim.
- Não sei.
- Você quer beber até esquecer que a gente um dia foi a gente?
- Acho que sim.
- Até o dia amanhecer?
- Acho que sim.
- E se eu te beijar?
- Eu não vou corresponder.
- Você lembra do nosso primeiro beijo?
- Faz tempo.
- Mas você lembra?
- Um pouco.
- Você tem saudade?
- Bebe mais, por favor.
- Você quer que eu te engula?
- Mais que isso.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Preciso desligar agora

"felicidade se acha é em horinhas de descuidos"
(Guimarães Rosa)

Eu hoje só te liguei porque queria te dizer um milhão de coisinhas. Então pára, pára e escuta. Presta atenção, presta bem atenção, tá? É que eu não tenho o costume de falar assim. Mas às vezes as palavras explodem dentro da gente, fazem festa, tiram a gente pra dançar. Hoje, eu quero que você seja o meu par. Tá?! Então escuta bem, presta atenção. Não me interessa se você não sabe dançar. Eu tenho certeza - eu sei que não tenho certezas de muitas coisas, não precisa me lembrar, mas essa eu juro que eu tenho - de que, juntos, a gente pode rodar todo o salão. Acredita em mim? Eu sei que você acredita. Seria bonito ver você costurando delicadezas na minha saia rodada. E eu adoraria te ver bailando por toda a madrugada. É isso.

Não, não é isso que eu queria te falar. Essa não era uma das coisinhas que eu tinha pra te dizer. É, então era um milhão e uma. 

Tá bem. Vou tentar não usar metáforas. Vou tentar. 

Lá vai:  uma das milhões de coisinhas que eu queria te dizer é que você planta sorrisos no meu coração com muito mais facilidade do que você imagina. Não é só no rosto, é no rosto e no coração. Eu queria muito que você soubesse disso. Queria te dizer que muitas vezes eu não sei o que te dizer porque não sei, mesmo. Não sei te explicar o que é inexplicável, eu acho. Eu acho que é inexplicável. Na verdade, isso, de explicar, eu deixo pra você.  Não encontrei uma palavra, ainda, por exemplo, que possa te fazer entender a paz e o batuque que você causa no meu peito, de uma só vez. Quando eu te vejo, meus cílios fazem festa, fica difícil de enxergar. Antes de te ver, faço como se faz quando a gente vai receber visita em casa: tento arrumar tudo, botar cada coisa  no seu lugar - só não tem jeito com ele, o coração. Desde que você chegou, ele insiste em ser mal-criado. E o pior de tudo (mas não conta a ele) é que eu gosto. Ele insiste em bater afobado, louco, desesperado, toda vez que fica sabendo que você tá pra chegar. Depois, quando você chega, meus olhos repousam bem nos teus e eu adoro ficar ouvindo cada palavra que você tem a dizer, cada história. É música para os meus olhos. Sabia? Sei que você sabe. Você é o barulho, eu sou o silêncio, e eu não poderia encontrar combinação melhor. Tá bem, eu sei que agora, nesse exato momento, eu não tô sendo bem um silêncio, mas, vai, deixa eu falar. Voltando, outra coisinha que eu tinha pra te dizer é que, quando você vai embora, fico te imaginando, sonhando, e te vejo como uma festa. Uma festa de carnaval, eu acho. Eu sei, eu odeio carnaval, mas não é por esse lado que eu quero ir. O que quero te dizer é que você, pra mim, é uma daquelas festas bem alegres, sabe? Você não tá entendendo? Tá, desculpa as metáforas.  É assim, ó: sabe quando você tá numa festa, de salto alto, e fica dançando até o dia amanhecer? Eu sei que você não usa salto, mas escuta: o que acontece é que você sabe que no outro dia vai amanhecer com muitas dores nas pernas, os pés cheios de calos, mas vale a pena e, por isso, você continua dançando. Pelo samba. É, o samba. Lembra que agora há pouco te falei das batucadas no meu coração? Então. Você pra mim é mais ou menos isso. Eu sei que você já já vai embora, sei que nossa história não completa nem uma página de um livro sem título, mas, mesmo assim, eu não canso de te querer-e-te-querer-e-te-querer. Não, eu não me importo com o fato de você ir embora. Quer dizer, não é que eu não me importe. Eu não me importo com isso da mesma forma como não me importo com o fato de te ver hoje ou não. E acho que é isso que faz o nosso amor bonito. A falta de expectativa, porque todas as expectativas são logo supridas. O desejo de fazer o outro bem. E feliz. E todas as coisas que você me faz e que eu quero te fazer também. Então, voltando. O que era, mesmo, que eu tava dizendo? Sim, o samba. A festa. Você é isso, pra mim, eu acho. Vez ou outra, no meio da noite, eu paro um pouco, fico olhando pro nada, e me vem uma tristeza, pelo saber que daqui a pouco a música vai acabar, o povo vai embora e, da noite, só vão restar as garrafas espalhadas pelo meio da sala e um ou outro cafuné pela manhã. Mas logo, logo, o som fica mais alto, eu esqueço disso tudo e te chamo, de novo, pra dançar. Mas não esquece de passar perfume, por favor. Não, não é que você sem ele não seja nada. Acho que é mais o contrário. Ele, sem você, não é nada. Já te disse que um dia desses vi outra pessoa usando ele, né? Senti o cheiro e lembrei de você. Não tive vontade de pular em cima da criatura e enchê-la de beijinhos, como sempre quero fazer contigo. Na verdade, quando senti o cheiro, lembrei au-to-ma-ti-ca-men-te de você. O que eu vou fazer agora? Sempre que sentir essa cheiro vou lembrar dessa história mal acabada. Não, não tô reclamando. Na verdade, me preocupa um pouco isso, às vezes, de não saber reclamar com você. Quer dizer, não é que eu não saiba reclamar, é que não tem do que reclamar. Até hoje, e já faz tanto tempo, eu não tenho um quê do que reclamar de você. A não ser o fato de você ter que ir embora. Mas não culpo você por isso. Culpo o mundo, Deus, Alá, seja lá quem for. Olha, tinha outra coisa pra te falar sobre isso de não saber reclamar de você, mas acabei de me lembrar de outra coisa agora. Me lembra depois de voltar a esse assunto, tá? O que eu lembrei foi de uma história de amor que eu li num livro um dia. Não, o livro não era sobre ESSA história de amor. Era sobre outra. Mas essa me chamou a atenção. É a história de Abelardo e Heloísa, você já ouviu falar? Não? Depois você procura saber melhor, que eu não posso mais demorar muito, meu horário de almoço tá acabando, mas é a história de um amor impossível. Sei que existem muitas, mas essa é diferente. É, diferente tipo a nossa. Não que a nossa se pareça com essa, mas, bem, o que me lembra muito você é que, nesse livro, lembro que a protagonista, quando relatava essa história, falava algo assim: que, pra ela, bastava saber, um dia, que o homem dos sonhos dela existe, que não precisava ter a posse dele. Saber que, em algum lugar no universo, ele existe, bastaria. Bem, isso não me basta e você não é o homem dos meus sonhos. O que eu queria era te levar pro cinema toda noite, depois sair pra jantar, depois te encher de carinho, te dar boa noite, te cobrir com meu lençol, e acordar todo dia ao teu lado. Brincadeira, não consigo querer isso com ninguém. Mas, sabe, me lembra você. Não entendeu? Dessa vez eu não vou tentar explicar, desculpa. Eu também não entendi o que eu quis dizer, mas... é mais ou menos isso. Desculpa, achoquemeapaixoneiporvocê. Ham? Não, não falei nada, não. Vem cá? Tá chovendo lá fora. Queria te beijar de novo embaixo da chuva. Gostei, sim. Muito. Como gosto de você. Sim, sobre o que eu tinha dito de não reclamar com você. É isso. Não achei ainda um defeito insuportável. E, sério, eu já devia ter encontrado. É, isso é bem sério. Já dava tempo de ter encontrado. Olha, tenho que desligar, eu acho. Não, não acho, tenho certeza. É que ter certeza me assusta, mas, é, sobre ter que desligar, eu acho que tenho certeza. Mas, antes, queria te pedir uma coisa. Sei que a passagem já tá comprada, sei que logo logo você se vai. Não, não dá pra esquecer. Eu não consigo. Sou louca, lembra? Neurótica, surtada, sei lá. Enfim, não dá pra esquecer. Mas o que eu queria que você me prometesse é que a gente vai aproveitar cada minuto desses teus últimos dias aqui. Pode ser? Por favor? Me acorda, amanhã, com beijinhos, como todas essas manhãs? E eu te prometo te levar pra tomar café, pra tomar banho, pra onde quer que eu for.

E, olha, de verdade, pra onde quer que eu for, pro resto da vida, você vai tá comigo. É, no meu coração. Acho que você marcou. Um pouquinho, não fica muito convencido.
Eu acho que eu te amo, é isso. É, acho.
Preciso desligar agora.