quinta-feira, 29 de setembro de 2011

crescendo, foi ganhando espaço [parte 1]

Guinho,

Eu fiquei muito aflita hoje quando soube que você não tava bem. Aflita mesmo, sabe? Com o coraçãozinho apertado, meio trêmula, sem saber direito o que fazer. Aí resolvi ficar aqui, quietinha na minha, esperando que sua vovó fosse te ver e depois ligasse dando notícias. Demorou, Guinho. Demorou muito. Coisa de uns 20 minutos, uma eternidade. Mas aí soube que tava tudo bem e pude voltar a respirar tranquila.

Engraçado, né, Guinho? Há um ano eu não tinha a menor noção do tamanho do presente que papai do céu tava preparando pra gente. A gente, que eu digo, é a gente família, sabe? Seu pai, sua mãe, avós, avôs, tias, tios, bisas... esse povo todo que te enche de amor. Tem muita gente pra te ninar, viu? Muita gente mesmo.

Confesso que logo que eu soube que você tava se preparando pra vim pra cá, eu não gostei muito da idéia. Era final de julho, início de agosto, Guinho. Uma tarde de sexta-feira. Primeiro sua mãe veio me contar, na hora do almoço, só que eu não deixei. Na hora que ela disse que tinha uma coisa pra falar, eu reagi. Que se fosse ruim, não contasse. É que as coisas tavam meio complicadas naquela época, sabe? E sabe quando Titia é meio ríspida com quem tá por perto? Com sua mãe, então... sempre acaba sobrando mais pra ela.

Só que eu vi que ela tava falando sério, porque ficou com os olhos cheio de lágrimas. Aí percebi que era alguma coisa realmente séria. E, de cara, me passou isso pela cabeça: tá grávida. Ainda perguntei, mas foi na mesma hora que sua vovó chegou, e ela acabou sem me responder. Fomos almoçar na casa de bisa, depois fui deixar sua mãe no trabalho... e passei a tarde pensando nisso. Eu tinha medo que eu tivesse certa. Porque, sabe, Guinho? Eu sabia que isso iria dar numa confusão daquelas e que ia fazer muita gente sofrer.

No fim da tarde, fiz questão de ir buscar sua mamãe no trabalho. E, aí, ela confirmou. Aquilo tudo era mesmo porque você tava querendo vir pro lado de cá. Fiquei meio tonta, na hora, meio sem chão, mas tentei ser racional. E como é que a gente iria contar a mamãe, e como é que iriam ser as coisas a partir de agora e, sim, Guinho, fiz mesmo aquela pergunta bem boba: "e como é que isso foi acontecer?". Foi o único momento, nesse dia, que eu lembro da sua mãe dando um sorriso.

Eu pensava no quanto isso iria machucar, principalmente, sua vovó. Que eu sei que ela queria que tivesse sido tudo bem planejado, tudo muito tim tim por tim tim, sabe? E aí eu chorei. Infelizmente, Guinho, foi isso que eu fiz no dia que eu soube que você tava pra chegar. Fiquei feliz por ser Titia e tudo mais, só que... tinha uma coisa bem maior que isso me preocupando.

Por uma grande ironia do destino, justamente nesse dia, sua vovó resolveu que queria sair pra jantar. E a gente foi. E eu quase enlouqueci. Acho que com o tempo você vai acabar percebendo, Guinho... Titia não é muito boa em fingir que tá tudo bem, quando não tá, nem muito boa em mentira, também. Mas a gente foi, jantou e foi quase tudo bem. Só que eu sabia que não tava. E mamãe também sabia que não. Vovó era a única, ali, sem entender nada, sem nem imaginar o quanto as coisas iriam mudar depois daquilo e que, em pouco tempo, iria ter mais um convidado sentado à mesa do jantar, fazendo zoada e bagunçando tudo que vê pela frente.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Você tem que saber

Pra começo de conversa, você tem que saber que eu odeio café. Detesto, detesto mesmo. E que qualquer gotinha de suco de maracujá é suficiente pra me deixar morrendo de sono. E que quando eu tou com sono, eu falo coisas bem piores que quando eu tou bêbada. Coisas horríveis, horríveis mesmo. Sinceridade que dói.

Você tem que saber que quando eu tou triste, eu desligo o celular e não falo com ninguém, até a tristeza passar. E que eu sou dona de um otimismo muito incorrigível, e por mais que o mundo insista em desabar eu sempre tou acreditando que tudo vai dar certo. Porque, você sabe, não sabe? No final, dá mesmo, eu juro que dá.

Tem que saber que eu detesto quem me toca, mas detesto muito mais quem não me toca. E que, no primeiro beijo, eu sempre vou fugir - inconscientemente, eu vou. E que quando eu tou muito nervosa eu falodesesperadamentesempararnemporumsegundo. Mas que o fato de eu estar mexendo sempre nos dedos não quer dizer que eu esteja nervosa. É mania.

Você tem que saber que eu tenho mania de somar, multiplicar e diminuir os números, até que eles dêem um número par. E que quando eu quero alguma coisa, quando eu sei mesmo que eu quero, eu vou até o fim. Faço de tudo e mais um pouco. E não adianta me dizer que não vai dar certo. Se eu acreditar, vai dar sim. Cabeça dura. E eu odeio os números ímpares. É que eles são... feios. Incompletos, eu diria. Fica faltando alguma coisa.

E que eu odeio palavras como sobretudo, escalonar e... existe uma terrível: catarro. Elas também são feias, que nem os números ímpares. Horríveis. Maldade também é uma palavra bem feia. Muito feia. De assustar. Você precisa mesmo saber que, apesar dessa história das palavras e tudo mais, eu não gosto muito de Luis Fernando Veríssimo. E que eu, na verdade, não consigo decorar nomes de autores. Nem de cantores. Muito menos de políticos.

Você não pode reclamar da minha memória, na verdade. Eu muito provavelmente vou esquecer certas datas e também posso até esquecer o nome de alguns dos seus familiares... mas só se eles não tiverem um significado afetivo muito grande, sabe? Você também não deve reclamar se eu não disser que tou com saudade ou o quanto os dias são mais lindos depois que você chegou. Eu não falo, eu escrevo.

E você tem que entender que eu não me entrego assim, tão fácil. E que Vinícius (de Moraes) tava muito mais que certo quando disse que é preciso paixão. É completamente necessário. Irrevogavelmente, eu também digo: é preciso muita paixão. Em tudo. É preciso paixão até nas coisas mais bestas, sabe?! Se não, não dá certo. Pra mim, é assim que as coisas dão certo: com paixão.

E que eu acredito muito em Deus e acredito muito em milagres e em anjos e em todas essas coisas boas. Eu acredito no amor, sabe? Acredito mesmo, de verdade. E sou capaz de argumentar, por horas e horas, até você também concordar: o amor existe, sim, cara. Existe e tá aí, no meio da rua, esperando por a gente.

Você tem que aceitar que eu aceito discutir dias e mais dias sobre essas coisas todas do amor, sobre religião, música, poesia e tudo mais, mas que se eu não conhecer bem alguém eu não vou me importar muito em ficar puxando muita conversa, sabe? E, na verdade, se eu conhecer muito, muito bem alguém, também. Tem hora que o silêncio basta. Que nem prece.

Por mais insano que pareça, você vai ter que aceitar que eu costumo ler horóscopo de jornal, essas coisas todas, mas que não é que eu acredite. É que eu gosto de ver alguma coisa tentando me descrever. Porque eu, mesma, não consigo, sabe?

Não consigo.

"Sou autoexplicativa só pra confundir"
(Marla de Queiroz)

terça-feira, 20 de setembro de 2011


"Era uma vez, em um reino não muito distante, um Rei muito vaidoso que não se preocupava com seu povo, apenas consigo mesmo.
Um dia, apareceram em seu reino, astutos trapaceiros que prometeram ao vaidoso Rei uma roupa especial. Feita por um mágico tecido, a bela textura tornava-se invisível para aqueles que fossem destituídos de inteligência.

Encantados com aquela fazenda, o Rei encomendou, por uma elevada quantia, uma elegante roupa aos finórios tecelões. Porém o mesmo se sentia embaraçado em não enxergar, nas mãos dos falsos alfaiates, o mágico tecido.

Enviou então seu antigo ministro, e depois um fiel oficial para acompanhar o trabalho dos espertos intrujões.

Nada viam, contudo, não querendo os mesmos se passarem por tolos exclamavam: – Maravilhoso! Admirável!

Com a falsa roupa já pronta, o presunçoso Rei resolveu apresentá-la a todos.

Assim desfilou pelas ruas de seu reino onde seus súditos fingiam estar vendo uma exótica roupa para não passarem por estúpidos, até que um garoto, emergindo da multidão, põe-se a gritar:
– O rei está nu! – O rei está nu!"

(Hans Christian Andersen)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

DEFINICIÓN DEL AMOR DEFINIÇÃO DO AMOR


Desmayarse, atreverse, estar furioso,
aspero, tierno, liberal, esquivo,
alentado, mortal, difunto, vivo,
leal, traidor, cobarde y animoso;

no hallar fuera del bien, centro y reposo,
mostrarse alegre, triste, humilde, altivo,
enojado, valiente, fugitivo,
satisfecho, ofendido, receloso;

huir el rostro al claro desengano,
beber veneno por licor suave,
olvidar el provecho, amar el dano,

creer que un cielo en un infierno cabe,
dar la vida y el alma a un desengano,
esto es amor; quien lo probo, lo sabe.


Lope de Vega

(Tradução de José Jeronymo Rivera)

Desmaiar-se, atrever-se, estar furioso,
áspero, terno, liberal, esquivo,
alentado, mortal, defunto, vivo,
leal, traidor, covarde e valoroso;

não ver, fora do bem, centro e repouso,
mostrar-se alegre, triste, humilde, altivo,
enfadado, valente, fugitivo,
satisfeito, ofendido, receoso;

furtar o rosto ao claro desengano,
beber veneno qual licor suave,
esquecer o proveito, amar o dano;

acreditar que o céu no inferno cabe,
doar sua vida e alma a um desengano,
isto é amor; quem o provou bem sabe.




terça-feira, 6 de setembro de 2011

Tem gente que

Tem gente que tem cheirinho de natal. Colo de mãe. Dormir de conchinha. Pé descalço em areia fofa. Que dá a mesma alegria de achar dinheiro esquecido num bolso qualquer. Gente que parece que traz amor numa fitinha enrolada no dedo. E não deixa nunca a gente esquecer que vieram mesmo foi pra ficar e que nunca vão arredar o pé dali.

Tem gente que deixa na gente aquele gosto de almoço na casa de vó. De passeio na praia no fim da tarde. Gente que deixa a gente com a sensação de que tem sempre alguém a acariciar os nossos cabelos, bem devagarzinho. De-va-gar-zi-nho. Sem pressa. Domingo à tarde.

Tem gente que sorri com os olhos - e esses são os meus preferidos. Gente que tem lentes cor-de-rosa. Cor de amor. Gente que vive desenhando corações quando fala e que ao acordar sempre escolhe as cores mais bonitas pra pintar o dia. Gente que faz a gente lembrar de lua cheia em praia deserta. Paz. Muita paz.

Tem gente que lambuza a gente de carinho. Sorvete de morango ao meio dia. Vibração. Vibração positiva, que fique bem claro. Banho de mangueira. Criança serelepe.

Samba. Muito samba.