segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Antes do fim (do mundo)

(- Esqueça que eu existo.)
















Não consigo me livrar do silêncio que se instalou depois que te falei aquilo tudo. Não é um silêncio do tipo palpável. É, na verdade, um ruído, a martelar diariamente na minha cabeça, hora após hora, e de tanto barulho, faz-se silêncio. Entende? É que não era exatamente isso que eu queria dizer. Quero dizer, não é exatamente que eu queira que você me esqueça. Na verdade, essa é uma das últimas coisas que eu quero, sabe, das últimas, mesmo. Não me importo se o mundo vai, mesmo, acabar mês que vem, ou se o vizinho vai continuar colocando esses rocks insuportáveis-do-tipo-que-ninguém-entende-uma-palavra pra tocar, se toda essa história do dia 21 for uma baboseira e nada acontecer. Mas me importo - e me importo muito - com como vamos estar nesse maldito dia 21. Digo, será que nós ainda vamos estar juntos?

Na verdade, às vezes acho que a gente tem que chegar ao fundo do poço pra poder conseguir começar dar a volta por cima. É uma boa teoria, não? É, sim, admita. É assim: só quando nós realmente chegamos ao fundo do poço e percebemos que não há nenhuma forma das coisas piorarem é que nós começamos a ter chance. Não é que eu esteja sendo pessimista, não é isso. Mas veja bem: depois de todos aqueles gritos, de todas aquelas lágrimas, de todas aquelas brigas, não há muito, ainda, como a gente possa piorar a situação, há? Então. Tudo que nós podemos fazer agora, na verdade, é dar a volta por cima. Não sei se vamos fazer isso juntos ou não, claro, e essa é a minha dúvida. Mas vamos ficar bem.

Às vezes imagino se tivéssemos nos encontrado em momentos diferentes, se tivéssemos nos apaixonado por pessoas diferentes, se tivéssemos nascido em épocas diferentes. Um monte de 'se', que só faz tudo ficar entalado. Imagino se fôssemos uns dos personagens de Jane Austen, talvez as coisas fossem mais fáceis. Se eu mentisse, fingisse, engolisse, enganasse - a mim e a você. Se fosse assim, talvez desse certo. Mas eu não gosto. Eu não quero. Não quero esses vidros invisíveis entre a gente. Não quero, sei lá, isso. Quero você - eu acho. Mas não existe fórmula certa, existe? Tudo bem, talvez ainda não seja o momento ideal para conversarmos sobre isso.

Acontece que às vezes - e sempre às vezes - sinto algo estranho por você. Não sei bem explicar, então desisti de entender. Talvez sentir seja isso, né? Um pouco disso. Não ter certeza, não querer ter certeza, não fazer a mínima ideia de como tudo vai estar amanhã. Quando comecei a tentar controlar demais isso tudo, desandou, percebeu? O amor deve ser isso: uma criança, fazendo birra, quando a gente tenta impôr os limites. Uma criança esperneando, no chão, dentro da gente, sem entender porque a vida, que é tão simples, precisa de todas essas regras.

Juro. Eu odeio regras. Desculpa tê-las imputado a gente. Foi sem querer. Não sei.

Mas mais tarde, talvez, nós poderíamos montar uma casa. Um lar. Com filhos, talvez, talvez não. Um, talvez dois. Ou cachorros. Sem pedigree. Talvez alguns passarinhos, não sei. Se bem que passarinhos engaiolados trazem uma certa tristeza, melhor não. Sem passarinhos. Talvez os cachorros. Talvez filhos. Bem, os nomes, ainda não sei. Melhor não pensarmos nisso ainda. Melhor não darmos nomes, ver o que acontece, ver aonde vamos chegar. Sabe, com essa história toda. O que você acha?

Tudo bem se você não concordar. Como eu disse, não é mesmo a hora de fazer planos. Mas me faz um favor, por favor. Vou começar agora a fazer preces, pedindo pra que você consiga entender exatamente o que eu tou sentindo e atenda o telefone. Só quero que você entenda, que não se precipite, que as distâncias diminuam, que a gente continue junto nessa.








- Oi? Não esquece que eu existo.

 Tá?

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Um par

Conheceram-se às 4h, do dia 4, no mês de Abril, numa tarde ensolarada, com aquela chuva - fininha - escorrendo pela janela. Estavam na casa de amigos em comum, em uma daquelas sessões de filme que todo mundo inventa e quase ninguém assiste ao que se passa na tela.

Ela, na verdade, estava ali por uma fatalidade. Havia perdido o ônibus para casa depois de um dia de cão e resolvera fazer uma visita a um casal de amigos que moravam por ali.

Ela tinha 24 - ele, 28. Múltiplos de 4.

De início, conversaram sobre coisas genéricas: o tempo, como estava o clima, que calor insuportável, já devia ter começado a esfriar mais! Será que o fim do mundo vai, mesmo, acontecer? Não brinca, tô falando sério. Às vezes, sei lá. Você não pensa nessas coisas? Deus? Não? Sério?

Pouco a pouco, a conversa ficara cada vez mais profunda. Primeiro, as religiões, depois sobre os conflitos existenciais humanos. Psicanálise. Jung. Em meio às frases que escapuliam, no entanto, risos eram soltos, acentuando uma ou outra palavra.

Trocaram seus telefones, sem sequer saber seus nomes. Detalhes que o coração não vê.

Falaram-se novamente às 12h do dia seguinte. Marcaram um café, no meio da tarde. Às 4h. Comprometeram-se a levar CDs dos quais haviam falado no dia anterior. Seriam pontuais. Quase. Quase perfeitamente pontuais.

Encontraram-se e descobriram seus nomes, seus cheiros, suas cores. O cheiro de campo verde que ela tinha no final da tarde - quando o vento soprava mais forte; o azul anil que o olho dele adquiria com o cair da noite; o medo de trovões, o fim recente de um relacionamento, traumas, segredos, confissões, confusões, livros e autores favoritos, manias, manuais, mantras. Mania de colocar o despertador para tocar pelo menos 15 minutos antes do horário que deve, mesmo, acordar, só para ter o prazer de dormir mais um pouco. Mania de espirrar 4 vezes seguidas, um espirro atrás do outro. Mania de se incomodar com as manias bobas dos outros.

Conversaram até o raiar do outro dia, passeando pela cidade, bebendo um vinho e um bom licor. Gostos amargos, doces, azedos - tudo se entrelaçava como num novelo de lã.

Prometeram se encontrar novamente no mesmo local, no fim da tarde, às 4h.

Passaram-se manhãs, dias inteiros, noites, sem que um conseguisse tirar o pensamento do outro. Começaram a namorar, noivaram, casaram. Sempre no dia 4, às 4h, para dar sorte.

Tiveram uma pequenina que a chamaram de Clara. Ana Clara.

Um dia, resolveu mudar: saiu de casa atrasada, foi de táxi para o trabalho, não preparou o almoço, esqueceu o celular, tudo desandou. Chegando à empresa, reuniões intermináveis, uma dor de cabeça sem fim, a sensação de que algo muito ruim iria acontecer. Pensou em ligar para o marido, dizer que, sei lá, estava com um pressentimento, queria dizer que o amava, cantar uma música, i just called to say i love you, um beijo, chego já, amo você, amo mesmo.

O celular dele descarregou.

Antes das 2h, pediu para sair mais cedo do trabalho, queria fazer uma surpresa, foi correndo pegar um ônibus para chegar à tempo ao trabalho do esposo.

Eis, aqui, o momento em que o sol encandeou um dos carros que passavam pela avenida mais movimentada da cidade e, não vendo o sinal vermelho, lhe atropelou.

Talvez seja Deus que não goste de quem duvida de seus desígnios. Ou de quem duvide da felicidade.

Talvez uma fatalidade. Uma fatalidade que lhe tirou a vida. Exatamente igual a que lhe despertara para ela.

Às 3h3, do dia 5, mês 7.
Fatalmente aconteceu.
E nada mais ficou exato.