terça-feira, 29 de novembro de 2011

Você tem toda razão: tudo muda. Inconsequentemente, muda. Indubitavelmente, muda. Assustadoramente, também. Acontece.

E de tão assustador, a gente vai perdendo o medo. Vai pintando a casa, vai deixando os novos ventos entrarem. Assim, como quem não quer nada. Como quem espera para ver o que vem por aí.

Sentada na calçada, na cadeira de balanço. Casa de vó. Cheirinho de chuva molhada, gosto de arco-íris. E com o amanhecer, a rosa que florece. Borboleta que levanta vôo - por mais estranho que essa palavra possa parecer. Borboleta. Por mais estranho que isso tudo possa parecer. Pra sempre, mesmo que pra sempre sejam só 3 dias. Três semanas. 3 meses. Que seja eterno enquanto dure.

3 décadas.

Maciez de beijo de avô. De boa noite. Beijo na testa. Bom dia. O sol entrando - verão.

Você entrou.

Você chegou, faz tempo. Entrou. Sentou à mesa de jantar, deitou na cama, pediu o lençol, pegou a toalha.

Você. Aqui.

Entrou sem pedir licença. E eu deixei, fui deixando. Eu queria. Sempre quis.

Fica. Eu quero.

Samba no meio da madrugada. Pés se entrelaçando. Palavras doce no fim da tarde. Violão. O teu não sei quê de paraíso. Minha mania de te beijar.

Você é lindo.
Vem cá.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

"Eu lembro, entre nós não havia quase nada
E agora é só você que me faz cantar
E é só você que me faz cantar..."
(Los Hermanos)

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

crescendo, foi ganhando espaço [final]

Eu já era louca por você, sim, Guinho. Desde a primeira vez em que eu te vi, todo pequenino, no berçário do hospital. Até ali eu não entendia como as pessoas reconheciam os bebês, sabe? Como os pais sabiam, desde o primeiro dia de vida, que os seus filhos eram seus filhos. Mas aí eu descobri que tem uma coisa a mais. Tem algo a mais do que a forma física. E ali eu soube que eu saberia, se te colocassem entre mil bebês, que meu sobrinho era meu sobrinho. Era você.

Lembro da primeira vez em que te coloquei no braço. Tinha medo, sim, viu? Tinha muito medo. Olha, que eu me lembre... fazia, pelo menos, uns 10 anos que eu não colocava um bebezinho em meus braços! E claro que, com 10 anos de idade, não tinha sido um recém nascido que eu tinha pego, né? Foi Fael. Acho que ele tinha uns 5, 6 meses, algo assim. Já tava bem durinho, sabe? Mas tá, isso não vem ao caso. O fato é que eu morri de medo de pegar você, mas ao mesmo tempo eu sabia que nada de mal iria te acontecer. Eu não deixaria, de jeito nenhum. E você todo mole, ainda... e eu tendo que segurar seu pescoço, e você aos poucos, de metido, já querendo se levantar...

[Ah, Guinho... Eu sei que você ainda é um bebê... Mas dá saudade já de quando você era menorzinho, sabia? É que você é muito lindo. Muito, muito lindo. E Titia viveria tudo de novo, com você. Te pegaria no colo pela primeira vez, te daria papinha pela primeira vez, te colocaria pra andar pela primeira vez, te colocaria a chupeta, iria te ninar...]

Você sempre foi assim, meio metido, sabe? Sabe como vovó te chamava? Dizia que você era voluntarioso. Assim, só fazia o que queria. E é, né?! Você é todo, todo, Guinho! Todo cheio dos gostos! Todo cheio de amor...

Aos poucos, você foi crescendo. Teu pescoço já não tava mais molinho, você não precisava mais que ninguém ficasse ali, te vigiando o tempo inteiro. Aliás... te vigiando, não, né? Hoje é que a gente te vigia mesmo, que você não pára quieto um minuto... Mas vigiando teu pescoço. Aos poucos você foi aprendendo o que é Galinha Pintadinha, e foi abrindo um sorriso toda vez que a gente ligava o som; aos poucos você foi começando a dar gargalhadas quando eu chegava e perguntava quem era o bebê mais lindo de Titia.... Aos poucos, você foi crescendo, crescendo... E o amor da gente também.

Lembro, ainda, das primeiras vezes que você ficou doente. Todo mundo enlouqueceu, Guinho! Enlouqueceu mesmo, viu? Tá vendo o que você fez? Tá vendo? Quando crescer, vai ter que cuidar bem direitinho de todo mundo. Teve uma vez em que eu tava na praia, sabe? E sua vovó me ligou, desesperava. "Filha, venha logo pra casa que Guinho tá passando mal". E eu fui. Com o coração na mão, e o carro na outra. Tinham me dito sim, Guinho, que bebê de vez em quando passa mal e na maioria das vezes não é nada demais. Nunca foi nada demais com você, sabe? Só refluxo, gripe, essas coisas. Mas é que... sei lá, sabe? Você, tão pequenininho. Dava medo. Tinha medo. Um dia, talvez, você entenda.

Ou talvez não. Talvez isso tudo seja loucura, mas... É amor, sabe, Guinho? E amor a gente explica? Explica não. E se eu for te ensinar alguma coisa, durante a vida, vai ser isso. Vou repetir todo dia, dia e noite, que é pra você não esquecer:

Amor é a coisa mais importante do mundo, e é com ele que a gente desenha tudo que é mais bonito. E é amor o som da tua gargalhada, ou o besourinho que tu faz com tua boca; é amor quando você esfrega as mãozinhas no rosto, mostrando que tá morrendo de sono, e é amor, também, quando você bate as mãozinhas no ar, doido pra passar a vida inteira brincando.

Contigo, eu brinco. E te pergunto, mil vezes se quiser, "onde tá o bebê". Depois tiro o paninho do teu rosto, e aí lembro do quanto Deus foi generoso.

Amor não se explica, acontece.


Titia também, é louca por ti.


*"Foi Deus gentil comigo mandando você pra mim"



terça-feira, 25 de outubro de 2011

domingo, 23 de outubro de 2011

"– Só sei que nós nos amamos muito…
– Porque você está usando o verbo no presente? Você ainda me ama?
– Não, eu falei no passado!
– Curioso né? É a mesma conjugação.
– Que língua doida! Quer dizer que NÓS estamos condenados a amar para sempre?
(…)
– E não é o que acontece? Digo, nosso amor nunca acaba, o que acaba são as relações…
– Pensar assim me assusta.
– Por que? Você acha isso ruim?
– É que nessas coisas de amor eu sempre dôo demais…
– Você usou o verbo ‘doer’ ou ‘doar’?
(Pausa)
– Pois é, também dá no mesmo…"

(Caio Abreu)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

crescendo, foi ganhando espaço [parte 3]

Foi, Guinho. Vovó disse que você tinha feições femininas! Titia já riu tanto da cara dela depois disso, viu?! Riu tanto que você nem acredita! Mas não teve problema não, ó... quando vovó soube que você era um menininho, ficou toda feliz! Toda, toda! Acho que até se você fosse um et, vovó ficaria feliz, Guinho. É tanto amor. Tanto amor...

Eu cheguei de viagem um dia antes de você nascer, sabia?! Menos de 24h! Cheguei aqui, na cidade, era mais de meia noite já... E ainda pedi pra papai ir na sua casa. Tava morta de cansada, mas queria ver o quanto você tinha crescido... Queria ver o quanto a barriga da sua mãe tinha crescido. E tava enorme, Guinho!! Enorme! Quase estourando!

No outro dia, acordei com seu bisa e sua bisa aqui em casa. Era tanta saudade... À tarde, mal deu tempo de respirar. Tinha que ajeitar tudo logo, que a hora de você chegar tava chegando. A gente foi pro hospital no finalzinho da tarde, Guinho. Seus pais já tavam lá, no quarto. Era tanta festa! Tanta expectativa! De repente, um monte de gente foi chegando. Eram seus avós, suas tias, sua madrinha, as amigas da sua mãe, as amigas da sua avó, todo mundo. Sabe esse "quadro" que hoje em dia tá preso na porta do seu quarto, com uma chuteirinha e as cores do Flamengo, Guinho? Era ele que tava na porta do quarto do hospital. Lindo, né?! Parece que todos os detalhes foram escolhidos a dedo, tudo foi pensado muito cuidadosamente, pro dia em que você chegasse. Pena que eu não pude participar disso...

Mas não tem problema. Porque a partir dali eu participei, sabe?! 1º de março de 2011. Foi nesse dia que o amor soube o que era amor, que o céu ficou muito mais lindo e papai do céu deu um sopro de vida na gente. Ele coxixou nos nossos ouvidos, com um hálito cheio de amor, dizendo bem assim: é ele quem vai tornar os dias de vocês muito mais bonitos.

E, olhe, era muito verdade, viu, Guinho? Sabia que eu, no dia em que você nasceu, subi os cinco andares do hospital de escada? É que tava demorando muito, tinha gente lá embaixo, não podia mais subir ninguém... aí Titia foi lá, falar com o pessoal, sabe?! Justamente nessa bendita hora, o celular toca, com alguém dizendo que você tava indo pro quarto. Eu ia aguentar ficar esperando o elevador chegar, Guinho? Ia? Você acha mesmo? Claro que não! Subi correndo os cinco andares. Cheguei lá em cima morta! Mas aí com um pedacinho vi você chegando. Aquela coisinha pequena, todo sujo ainda, um pacotinho. Lindo, Guinho. Lindo. Cara de joelho, não! Ai de quem disser que você tinha cara de joelho... Valeu a pena ter subido os 5 andares.

100, até, valeriam.

Nos primeiros dias você não fazia muita coisa, sabe?! Você era bebê... (porque, claro, agora, com 7 meses, você já é um homem). Dormia, comia e chorava. Mesmo assim, eu já era louca por você.
[...]

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

crescendo, foi ganhando espaço [parte 2]

Assim que terminou o jantar, a gente foi pra casa. Titia se aproveitou daquela mania dela de pedir logo a conta. Sabe, Guinho? É, vovó sempre reclama, mas nesse dia ela não reclamou muito. Acho que tava todo mundo meio cansado. Quando chegou em casa, Titia respirou aliviada. Tinha só que tomar banho e pular na cama, no sábado voltaria a pensar nisso tudo.

Grande engano, Guinho. A parte do banho, tudo bem. Só que assim que Titia saiu do banho, se deparou com sua mãe, aqui no quarto, se acabando de chorar, e sua vovó, ao lado dela, totalmente incrédula. Não precisava ninguém perguntar, tava estampado na cara das duas: sua mãe tinha resolvido contar ali mesmo, sem muitos arrodeios. Agora, Guinho, verdade seja dita: sua avó te ama desde o primeiro segundo que ela soube que você existia. Vovó falou algumas coisas a sua mamãe, sim, Guinho, falou sim. Mas em nenhum momento ela levantou a voz, nem nada do tipo. Deu um sermão, que ela merecia, disse o quanto as coisas iriam ser difíceis dali pra frente, o quanto tudo iria mudar, e começou a ser prática, muito prática: se seus pais iriam casar, onde iriam morar, quando iriam casar, como ia ser o casamento, essas coisas todas.

Mas... sabe, Guinho? Dava pra perceber nos olhos de vovó que, por ser vovó, ela tava feliz, muito feliz. E era o tempo todo falando do bebê, que o bebê tinha que ter uma estrutura, que ele precisava de muito amor, que aquilo não era brincadeira. O bebê. Você, Guinho. Você. (Deu certo, não deu? Você hoje tá transbordando de amor, que eu sei)

Titia ficou ali, do lado, de vez em quando falando alguma coisa, tentando acalmar. Pegou água com açúcar pra vovó, prendeu o cabelo dela, que era pra que o ar voltasse a circular. Tudo resolvido, Titia pensou, a pior parte passou. "Ia, você quer que seja o quê? Menino ou menina?", perguntei. Parece que a ficha ia caindo, aos poucos, sabe, Guinho? "E o nome, se for menina?"

A pior parte, infelizmente, não tinha passado. Menos de uma semana depois, vovó resolveu contar a bisa. Aos dois bisas, na verdade. Titia tava no quarto, eles na sala. Não houve grito, não houve nada. Mas seu bisa se levantou e saiu. Dali em diante ele parou de falar com sua mãe. Conservador, bem conservador.

E aqui vem a parte que Titia não deveria contar e que a história ficaria muito mais bonita se ela escondesse, Guinho. Mas, ó, na verdade, na verdade, foi assim: acabou que Titia também parou de falar com sua mãezinha. Não me pergunte porque, Guinho. Não era nada contra você não, sabe?! Foi vovó... Não que vovó tenha feito com que eu fizesse isso, pelo contrário: numa noite, antes de vovó viajar, ela começou a chorar pedindo que eu fizesse as pazes com sua mamãe. Que nós éramos as pessoas mais importantes da vida dela e que doia muito ver a gente assim, sem se falar. Titia veio aqui no quarto, disse tudo que pensava, tudo, tudo e fez as pazes com sua mãe. As pazes, assim, médio. Titia disse que iria tentar ficar bem com mamãe, mas que não sabia se iria conseguir. Tentei, Guinho. Tentei e consegui.

Quando Titia foi embora, você já tava bem grandinho. Grandinho, assim, dentro da barriga da sua mamãe. Você já não era mais um carocinho de feijão não, Guinho. Era não, viu?! Tava bem grande já! E, ah, Guinho! Titia foi com sua mamãe no dia da ultrassom pra saber o sexo. Sabia? E você sabia que na ultrassom anterior quem tinha ido era sua avó e ela disse que tinha certeza que era uma menina porque tinha "feições femininas"? Acredita, Guinho? Vovó disse que você tinha feições femininas! E isso, vendo uma ultrassom, Guinho! Essa sua avó, viu?! Essa sua avó...



quinta-feira, 29 de setembro de 2011

crescendo, foi ganhando espaço [parte 1]

Guinho,

Eu fiquei muito aflita hoje quando soube que você não tava bem. Aflita mesmo, sabe? Com o coraçãozinho apertado, meio trêmula, sem saber direito o que fazer. Aí resolvi ficar aqui, quietinha na minha, esperando que sua vovó fosse te ver e depois ligasse dando notícias. Demorou, Guinho. Demorou muito. Coisa de uns 20 minutos, uma eternidade. Mas aí soube que tava tudo bem e pude voltar a respirar tranquila.

Engraçado, né, Guinho? Há um ano eu não tinha a menor noção do tamanho do presente que papai do céu tava preparando pra gente. A gente, que eu digo, é a gente família, sabe? Seu pai, sua mãe, avós, avôs, tias, tios, bisas... esse povo todo que te enche de amor. Tem muita gente pra te ninar, viu? Muita gente mesmo.

Confesso que logo que eu soube que você tava se preparando pra vim pra cá, eu não gostei muito da idéia. Era final de julho, início de agosto, Guinho. Uma tarde de sexta-feira. Primeiro sua mãe veio me contar, na hora do almoço, só que eu não deixei. Na hora que ela disse que tinha uma coisa pra falar, eu reagi. Que se fosse ruim, não contasse. É que as coisas tavam meio complicadas naquela época, sabe? E sabe quando Titia é meio ríspida com quem tá por perto? Com sua mãe, então... sempre acaba sobrando mais pra ela.

Só que eu vi que ela tava falando sério, porque ficou com os olhos cheio de lágrimas. Aí percebi que era alguma coisa realmente séria. E, de cara, me passou isso pela cabeça: tá grávida. Ainda perguntei, mas foi na mesma hora que sua vovó chegou, e ela acabou sem me responder. Fomos almoçar na casa de bisa, depois fui deixar sua mãe no trabalho... e passei a tarde pensando nisso. Eu tinha medo que eu tivesse certa. Porque, sabe, Guinho? Eu sabia que isso iria dar numa confusão daquelas e que ia fazer muita gente sofrer.

No fim da tarde, fiz questão de ir buscar sua mamãe no trabalho. E, aí, ela confirmou. Aquilo tudo era mesmo porque você tava querendo vir pro lado de cá. Fiquei meio tonta, na hora, meio sem chão, mas tentei ser racional. E como é que a gente iria contar a mamãe, e como é que iriam ser as coisas a partir de agora e, sim, Guinho, fiz mesmo aquela pergunta bem boba: "e como é que isso foi acontecer?". Foi o único momento, nesse dia, que eu lembro da sua mãe dando um sorriso.

Eu pensava no quanto isso iria machucar, principalmente, sua vovó. Que eu sei que ela queria que tivesse sido tudo bem planejado, tudo muito tim tim por tim tim, sabe? E aí eu chorei. Infelizmente, Guinho, foi isso que eu fiz no dia que eu soube que você tava pra chegar. Fiquei feliz por ser Titia e tudo mais, só que... tinha uma coisa bem maior que isso me preocupando.

Por uma grande ironia do destino, justamente nesse dia, sua vovó resolveu que queria sair pra jantar. E a gente foi. E eu quase enlouqueci. Acho que com o tempo você vai acabar percebendo, Guinho... Titia não é muito boa em fingir que tá tudo bem, quando não tá, nem muito boa em mentira, também. Mas a gente foi, jantou e foi quase tudo bem. Só que eu sabia que não tava. E mamãe também sabia que não. Vovó era a única, ali, sem entender nada, sem nem imaginar o quanto as coisas iriam mudar depois daquilo e que, em pouco tempo, iria ter mais um convidado sentado à mesa do jantar, fazendo zoada e bagunçando tudo que vê pela frente.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Você tem que saber

Pra começo de conversa, você tem que saber que eu odeio café. Detesto, detesto mesmo. E que qualquer gotinha de suco de maracujá é suficiente pra me deixar morrendo de sono. E que quando eu tou com sono, eu falo coisas bem piores que quando eu tou bêbada. Coisas horríveis, horríveis mesmo. Sinceridade que dói.

Você tem que saber que quando eu tou triste, eu desligo o celular e não falo com ninguém, até a tristeza passar. E que eu sou dona de um otimismo muito incorrigível, e por mais que o mundo insista em desabar eu sempre tou acreditando que tudo vai dar certo. Porque, você sabe, não sabe? No final, dá mesmo, eu juro que dá.

Tem que saber que eu detesto quem me toca, mas detesto muito mais quem não me toca. E que, no primeiro beijo, eu sempre vou fugir - inconscientemente, eu vou. E que quando eu tou muito nervosa eu falodesesperadamentesempararnemporumsegundo. Mas que o fato de eu estar mexendo sempre nos dedos não quer dizer que eu esteja nervosa. É mania.

Você tem que saber que eu tenho mania de somar, multiplicar e diminuir os números, até que eles dêem um número par. E que quando eu quero alguma coisa, quando eu sei mesmo que eu quero, eu vou até o fim. Faço de tudo e mais um pouco. E não adianta me dizer que não vai dar certo. Se eu acreditar, vai dar sim. Cabeça dura. E eu odeio os números ímpares. É que eles são... feios. Incompletos, eu diria. Fica faltando alguma coisa.

E que eu odeio palavras como sobretudo, escalonar e... existe uma terrível: catarro. Elas também são feias, que nem os números ímpares. Horríveis. Maldade também é uma palavra bem feia. Muito feia. De assustar. Você precisa mesmo saber que, apesar dessa história das palavras e tudo mais, eu não gosto muito de Luis Fernando Veríssimo. E que eu, na verdade, não consigo decorar nomes de autores. Nem de cantores. Muito menos de políticos.

Você não pode reclamar da minha memória, na verdade. Eu muito provavelmente vou esquecer certas datas e também posso até esquecer o nome de alguns dos seus familiares... mas só se eles não tiverem um significado afetivo muito grande, sabe? Você também não deve reclamar se eu não disser que tou com saudade ou o quanto os dias são mais lindos depois que você chegou. Eu não falo, eu escrevo.

E você tem que entender que eu não me entrego assim, tão fácil. E que Vinícius (de Moraes) tava muito mais que certo quando disse que é preciso paixão. É completamente necessário. Irrevogavelmente, eu também digo: é preciso muita paixão. Em tudo. É preciso paixão até nas coisas mais bestas, sabe?! Se não, não dá certo. Pra mim, é assim que as coisas dão certo: com paixão.

E que eu acredito muito em Deus e acredito muito em milagres e em anjos e em todas essas coisas boas. Eu acredito no amor, sabe? Acredito mesmo, de verdade. E sou capaz de argumentar, por horas e horas, até você também concordar: o amor existe, sim, cara. Existe e tá aí, no meio da rua, esperando por a gente.

Você tem que aceitar que eu aceito discutir dias e mais dias sobre essas coisas todas do amor, sobre religião, música, poesia e tudo mais, mas que se eu não conhecer bem alguém eu não vou me importar muito em ficar puxando muita conversa, sabe? E, na verdade, se eu conhecer muito, muito bem alguém, também. Tem hora que o silêncio basta. Que nem prece.

Por mais insano que pareça, você vai ter que aceitar que eu costumo ler horóscopo de jornal, essas coisas todas, mas que não é que eu acredite. É que eu gosto de ver alguma coisa tentando me descrever. Porque eu, mesma, não consigo, sabe?

Não consigo.

"Sou autoexplicativa só pra confundir"
(Marla de Queiroz)

terça-feira, 20 de setembro de 2011


"Era uma vez, em um reino não muito distante, um Rei muito vaidoso que não se preocupava com seu povo, apenas consigo mesmo.
Um dia, apareceram em seu reino, astutos trapaceiros que prometeram ao vaidoso Rei uma roupa especial. Feita por um mágico tecido, a bela textura tornava-se invisível para aqueles que fossem destituídos de inteligência.

Encantados com aquela fazenda, o Rei encomendou, por uma elevada quantia, uma elegante roupa aos finórios tecelões. Porém o mesmo se sentia embaraçado em não enxergar, nas mãos dos falsos alfaiates, o mágico tecido.

Enviou então seu antigo ministro, e depois um fiel oficial para acompanhar o trabalho dos espertos intrujões.

Nada viam, contudo, não querendo os mesmos se passarem por tolos exclamavam: – Maravilhoso! Admirável!

Com a falsa roupa já pronta, o presunçoso Rei resolveu apresentá-la a todos.

Assim desfilou pelas ruas de seu reino onde seus súditos fingiam estar vendo uma exótica roupa para não passarem por estúpidos, até que um garoto, emergindo da multidão, põe-se a gritar:
– O rei está nu! – O rei está nu!"

(Hans Christian Andersen)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

DEFINICIÓN DEL AMOR DEFINIÇÃO DO AMOR


Desmayarse, atreverse, estar furioso,
aspero, tierno, liberal, esquivo,
alentado, mortal, difunto, vivo,
leal, traidor, cobarde y animoso;

no hallar fuera del bien, centro y reposo,
mostrarse alegre, triste, humilde, altivo,
enojado, valiente, fugitivo,
satisfecho, ofendido, receloso;

huir el rostro al claro desengano,
beber veneno por licor suave,
olvidar el provecho, amar el dano,

creer que un cielo en un infierno cabe,
dar la vida y el alma a un desengano,
esto es amor; quien lo probo, lo sabe.


Lope de Vega

(Tradução de José Jeronymo Rivera)

Desmaiar-se, atrever-se, estar furioso,
áspero, terno, liberal, esquivo,
alentado, mortal, defunto, vivo,
leal, traidor, covarde e valoroso;

não ver, fora do bem, centro e repouso,
mostrar-se alegre, triste, humilde, altivo,
enfadado, valente, fugitivo,
satisfeito, ofendido, receoso;

furtar o rosto ao claro desengano,
beber veneno qual licor suave,
esquecer o proveito, amar o dano;

acreditar que o céu no inferno cabe,
doar sua vida e alma a um desengano,
isto é amor; quem o provou bem sabe.




terça-feira, 6 de setembro de 2011

Tem gente que

Tem gente que tem cheirinho de natal. Colo de mãe. Dormir de conchinha. Pé descalço em areia fofa. Que dá a mesma alegria de achar dinheiro esquecido num bolso qualquer. Gente que parece que traz amor numa fitinha enrolada no dedo. E não deixa nunca a gente esquecer que vieram mesmo foi pra ficar e que nunca vão arredar o pé dali.

Tem gente que deixa na gente aquele gosto de almoço na casa de vó. De passeio na praia no fim da tarde. Gente que deixa a gente com a sensação de que tem sempre alguém a acariciar os nossos cabelos, bem devagarzinho. De-va-gar-zi-nho. Sem pressa. Domingo à tarde.

Tem gente que sorri com os olhos - e esses são os meus preferidos. Gente que tem lentes cor-de-rosa. Cor de amor. Gente que vive desenhando corações quando fala e que ao acordar sempre escolhe as cores mais bonitas pra pintar o dia. Gente que faz a gente lembrar de lua cheia em praia deserta. Paz. Muita paz.

Tem gente que lambuza a gente de carinho. Sorvete de morango ao meio dia. Vibração. Vibração positiva, que fique bem claro. Banho de mangueira. Criança serelepe.

Samba. Muito samba.



quarta-feira, 31 de agosto de 2011

a-gosto de Deus.

De Deus e do diabo. E se você vier dizer que o diabo não existe, Lui, eu vou te dar a lua. A lua e as estrelas, todas elas lindas, sorrindo, em ver você. Porque no final... no final, o que importa é que você ainda tá aqui. Pra me fazer companhia nessas noites de insônia, em que eu escrevo, escrevo, escrevo escrevo escrevo escrevo, aperto o esc, mas nunca vejo o fim da linha. Nem da linha nem de nada, Lui. De quase nada.

Agosto veio cheio de surpresas. Umas boas, outras ruins. Eu te disse, né?! Eu te disse que iria ser assim. Tinha data marcada, a-gosto de Deus. Te avisei. Te disse que eu iria me preparar, que enfeitei a casa e o coração. Rearrumei tudo, arrumei espaço, fiz questão de jogar que não prestava mais fora. E era tanta coisa, Lui. Tanta coisa ocupando espaço, tanto sentimento, tanto ressentimento...

Não que tenha passado. Não passou, sabe?! Na verdade, na verdade, talvez tenha até aumentado. Ou talvez tenha diminuído. Nem existe mais, sabe, Lui? Perdeu espaço. É difícil isso de dar nome a sentimento, né? Eu não consigo. Talvez tenha aumentado, talvez tenha diminuido, sei não. Sei não, sei não. Fiz questão de colocar os pontos nos Is, fiz questão de ouvir tim-tim por tim-tim, que era pra ter certeza de tudo. É que tem gente em quem a gente aposta tanto, né? E eu não consigo ser diferente, Lui. Isso de não confiar, não acreditar, não esperar, não idealizar. Não consigo. Ele reclamou, disse e desdisse que eu tinha confiado demais, tinha esperado demais, que ele errou, que todo mundo erra, fazer o quê? Fazer o quê, Lui? Não errar! Ora, ora, fazer o quê.

No fim, fiquei com aquela sensação de "como um dia eu me apaixonei por ele"? Sabe? É uma sensação estranha, bem, bem diferente. Já te disse que sempre acho que amor tem que ter motivo? Eu sei, Lui. Eu sei que eu sou toda sentimental, etc, etc. Eu sei, sim. Sou, sim. Mas acho que tem que ter motivo, sabe? Eu nunca me apaixonei por ninguém que fosse intrinsecamente egoísta, já percebeu? Não assim, de dar na cara. E eles sempre tiveram um quê de altruístas. Tá vendo, Lui? Faz isso também com tuas paixões. Vê bem, veja bem. Veja bem, meu bem. Todas elas tem algo em comum. Mesmo um sendo playboy e o outro sendo menino do morro. Todos eles me faziam sorrir. Bom humor é essencial, Lui. Lentes cor-de-rosa também.

Aí, acho que quando somem os motivos, some também o amor. E vice-versa. É ruim constatar que aquilo tudo que você pensava que uma pessoa é, na verdade, não é. É amargo, Lui. É bem amargo... Mas sei lá. No fim, agosto acabou. Acabei também com essas minhas teorias loucas, essas porra-louquices que você nem fazia questão de entender.

(mas eu repito, Lui, amor tem que ter motivo)

Mas agosto também foi doce. Em doses homeopáticas, doce. Doce o suficiente pra tirar o amargo dos dias cinzas, sabe?! Agosto foi doce como pirulito novo que a gente come escondido. A gente vai tirando o plástico devagarzinho, pra poder saborear aquele momento e prestar atenção em cada detalhe, mas também bem rápido, que é pra que ninguém pegue a gente no flagra. Acho que não tem jeito, Lui. Eu sou mesmo uma dessas otimistas incorrigíveis. Nunca deixo de procurar o azul mais bonito dentre os 224 lápis de pintar, nem de tentar achar o doce mais doce. Promiscuidade eu acho, né? Que seja, Lui. Que seja.

Eu tenho tentado pintar paisagens lindas, devagarzinho. Tem a trilha sonora, tem o cheiro, tem que tá tudo perfeito. Não quero nada menor que a perfeição. Nem um pouquinho menor. Não trabalho com 90. Aliás, não trabalho com números, só com palavras. Com rimas, estrofes e um ritmo que tem que ser bem batucado. Bem batucado que é pra gente não esquecer nunca de respirar. Respirarsuspirartranspirar. Aquilo mesmo, Lui. Digo e repito: suspirar.

Ainda não comecei a suspirar, é verdade. Melhor assim, sabe? Melhor ir com calma. E acho que já basta a agonia do dia a dia. Esse mês de agosto foi uma loucura, Lui! Você nem imagina o quanto. Por mim, ficava só aqui, com uma xícara - de café, não, que eu odeio café - de chocolate quente ao lado, escrevendo pra você. De preferência em algum avião, a centenas de quilômetros do chão. Viajando, Lui. Aí, pra pertinho de você, quem sabe?

Tenho tentado colocar as coisas no lugar, e você sabe, é difícil. Principalmente pra mim, que sempre fui acostumada a essa coisa de deixa-acontecer-e-depois-a-gente-vê-no-que-é-que-dá. Tenho tentado fazer tudo da maneira correta, Lui.

E tava sentindo muito a sua falta. Não falar das coisas não é motivo para elas não existirem, não é mesmo?
Voltarei a te escrever.

Com saudade, com carinho.
Um beijo e um cisco de amor que eu envio com o vento,
R.


ps.: Que Setembro seja - enfim - doce. Para todos nós.




domingo, 28 de agosto de 2011

Hoje eu só queria que você soubesse que você tá, sim, fazendo tudo direitinho. E que por mais que eu não diga, que eu não queira e que eu não mostre, de pouquinho em pouquinho você tem conseguido mudar um pouco as coisas. E trazer um pouco de cor aos meus dias, e colocar um pouco de luz no meu dia-a-dia.

Hoje eu queria te dizer que mesmo que você talvez nem imagine, eu tenho saboreado por noites e mais noites as músicas na sua voz. E quando eu falo baixinho e você não entende é só porque eu não quero gritar aos quatro ventos a nossa história. Ela é linda, já percebeu? E de tão linda eu acho que ela só cabe em palavras escritas, em um livro, uma história dessas que começam com "era uma vez" e terminam com o "foram felizes para sempre".

Era uma vez e um acaso, que nos juntou em uma rua qualquer, em uma noite qualquer. E quero ter a certeza de que por mais que a gente consiga ser feliz para sempre - porque eu sei que a gente vai - ainda que a léguas de distância e que a gente passe anos sem nos falar, eu quero ter a certeza de que daqui a 40 anos vou ter uma boa lembrança sua. Ao ouvir alguém falar seu nome, meus olhos ainda vão sorrir. E espero que aconteça o mesmo com você.

Porque no final, no final mesmo, é isso que importa. e é por isso que hoje eu queria muito te dizer isso, que pensar em você faz eu me arrepiar de amor, mas eu não vou dizer. Eu vou falar aqui, baixinho, que eu quero muito teu bem. Eu quero muito que você seja muito feliz e, sabe, acho até que você é um bom rapaz. Te vejo no futuro em uma casa no campo, respirando felicidade e vez ou outra sendo pego despreocupado contando histórias de amor - dessas que você insiste em contar.

Eu consigo ver isso tudo porque você é o tipo de cara que combina com essas coisas. Você combina com as músicas de Chico e eu passaria dias e mais dias escolhendo trilhas sonoras para o nosso dia-a-dia. Eu consigo te soprar coisas lindas, daqui, só em pensar em você. Você é lindo você é lindo você é lindo e você não consegue parar de ser. Você não comenta sobre as notícias dos jornais e só por isso, você é lindo. E você é muito mais lindo por trocar esses comentários pelas palavras lindas dos filmes de amor. E dos livros de amor. e das músicas de Chico. Só por falar em Chico, na verdade, você é lindo. E você combina muito comigo.

Por um acaso, você é lindo. E por um outro acaso, eu tenho gostado de você.

Mas exatamente por isso eu não vou te falar nada. E vou deixar que os dias passem e que as mensagens cheguem. Vou esperar que um passarinho te diga algo, que as coisas aconteçam ou que - quem sabe - esse gosto amargo vá embora e te deixe chegar mais perto. na verdade, na verdade - sabe? - eu queria muito que você tomasse jeito, tomasse coragem e não me desse ouvidos. E entendesse que meus nãos são sins e que quando eu digo que eu não quero e que eu detesto que toquem em mim é porque, na verdade, eu queria muito que você tocasse. Queria que você não desse ouvidos a forma como eu tiro suas mãos das minhas e como eu tento me afastar de você - é que eu não sei ser de outra forma.

É que eu não sei mais dizer palavras lindas nem escrever mais textos belos. Eu não sei mais falar de amor, e mesmo se soubesse, só falaria baixinho. E no teu ouvido. Mas já que eu não sei, eu não falo. e não vou te falar.

Mas só por um acaso, eu deixo aqui:
Quero te dizer coisas belas e quero te envolver com palavras doces. Quero que teus dias sejam doces e que sejamos o que tivermos de ser. Quero que você fique entre os amores - porque você consegue me fazer respirarsuspirartranspirar. E eu quero você.
Quero, que por um acaso, você fique. Sem que eu precisa dizer nada.
Era só disso que eu, hoje, queria que você soubesse.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

é tirar o curativo bem rápido, sem nem ao menos saber se já está tudo cicatrizado.
vai doer, vai. mesmo se já estiver tudo bem.
mas é a certeza de que estando ou não [cicatrizado], o certo é que para que cicatrize, de fato, contrariando todas as leis, é necessário se expor. mais uma vez. tocar na ferida. enfrentar.
para ficar tudo bem.
vai ficar tudo bem.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Abelardo e Heloísa, uma (verdadeira) história de amor

"O romance entre Heloísa e o filósofo Pedro Abelardo iniciou-se em Paris, no período entre o final da Idade Média e o início da Renascença.

Abelardo havia sido recentemente contratado pela Escola Catedral de Notre Dame, tornando-se, em pouco tempo, muito conhecido por admirar os filósofos não-cristãos, numa época de forte poder da Igreja Católica.

Heloísa, que já ouvira falar sobre Abelardo e se interessava por suas teorias polêmicas, tentou aproximar-se dele através de seus professores, mas suas tentativas foram em vão.

Numa tarde, Heloísa saiu para passear com sua criada Sibyle, e aproximou-se de um grupo de estudantes reunidos em torno de alguém. Seu chapéu foi levado pelo vento, indo parar justamente nos pés do jovem que era o centro das atenções, o mestre Abelardo. Ao escutar seu nome, o coração de Heloísa disparou. Ele apanhou o chapéu e quando Heloísa aproximou-se para pegá-lo, ele logo a reconheceu como Heloísa de Notre Dame, convidando-a para juntar-se ao grupo. Risos jocosos foram ouvidos, mas cessaram imediatamente quando o olhar dos dois posou um sobre o outro. Heloísa recolocou seu chapéu, fez uma reverência a Abelardo e se retirou.

Desde esse encontro, porém, Heloísa não conseguiu mais esquecer Abelardo. Fingiu estar doente, dispensou seus antigos professores e passou a interessar-se pelas obras de Platão e Ovídio, pelo Cântico dos Cânticos, pela alquimia e pelo estudo dos filtros, essências e ervas. Ela sabia que Abelardo seria atraído por suas atividades e viria até ela. Quando ficou sabendo dos estudos de Heloísa, conforme previsto, Abelardo imediatamente a procurou.

Abelardo tornou-se amigo de Fulbert de Notre Dame, tio e tutor de Heloísa que logo o aceitou como o mais novo professor de sua sobrinha, hospedando-o em sua casa, em troca das aulas noturnas que ele lhe daria. Em pouco tempo essas aulas passaram a ser ansiosamente aguardadas e, sem demora, contando com a confiança de Fulbert, passaram a ficar a sós. Fulbert ia dormir, e a criada retirava-se discretamente para o quarto ao lado.

Em alguns meses, conheciam-se muito bem, e só tinham paz quando estavam juntos. Um dia Abelardo tirou o cinto que prendia a túnica de Heloísa e os dois se amaram apaixonadamente. A partir desse momento Abelardo passou a desinteressar-se de tudo, só pensando em Heloísa, descuidando-se de suas obrigações como professor.

Os problemas começaram a surgir. Primeiro, esse amor começou a esbarrar nos conceitos da época, quando os intelectuais, como Heloísa e Abelardo, racionalizavam o amor, acreditando que os impulsos sensuais deveriam ser reprimidos pelo intelecto. Não havia lugar para o desejo, que era um componente muito forte no relacionamento dos dois, originando um intenso conflito para ambos. Ao mesmo tempo, Sibyle, a criada, adoecera, e uma outra serva que a substituíra encontrou uma carta de Abelardo dirigida a Heloísa, e a entregou a Fulbert, que imediatamente o expulsou. No entanto, isso não foi suficiente para separá-los.

Heloísa preparou poções para seu tio dormir e, com a ajuda da criada Sibyle, Abelardo foi conduzido ao porão, local que passou a ser o ponto de encontro dos dois.

Uma noite, porém, alertado por outra criada, Fulbert acabou por descobri-los. Heloísa foi espancada, e a casa passou a ser cuidadosamente vigiada. Mesmo assim o amor de Abelardo e Heloísa não diminuiu, e eles passaram a se encontrar onde pudessem, em sacristias, confessionários e catedrais, os únicos lugares que Heloísa podia freqüentar sem acompanhantes ao seu lado.

Heloísa acabou engravidando, e para evitar aquele escândalo, Abelardo levou-a à aldeia de Pallet, situada no interior da França. Ali, Abelardo deixou Heloísa aos cuidados de sua irmã e voltou a Paris, mas não agüentou a solidão que sentia, longe de sua amada, e resolveu falar com Fulbert, para pedir seu perdão e a mão de Heloísa em casamento.

Surpreendentemente, Fulbert o perdoou e concordou com o casamento.

Ao receber as boas novas, Heloísa, deixando a criança com a irmã de Abelardo, voltou a Paris, sentindo, no entanto, um prenúncio de tragédia. Casaram-se no meio da noite, às pressas, numa pequena ala da Catedral de Notre Dame, sem nem trocar alianças ou um beijo diante do sacerdote.

O sigilo do casamento não durou muito, e logo começaram a zombar de Heloísa e da educação que Fulbert dera a ela. Ofendido, Fulbert resolveu dar um fim àquilo tudo. Contratou dois carrascos e pagou-os para invadirem o quarto de Abelardo durante a noite e arrancar-lhe o membro viril.

Após essa tragédia, Abelardo e Heloísa jamais voltaram a se falar.

Ela ingressou no convento de Santa Maria de Argenteul, em profundo estado de depressão, só retornando à vida aos poucos, conforme as notícias de melhora de seu amado iam surgindo. Para tentar amenizar a dor que sentiam pela falta um do outro, ambos passaram a dedicar-se exclusivamente ao trabalho.

Abelardo construiu uma escola-mosteiro ao lado da escola-convento de Heloísa. Viam-se diariamente, mas não se falavam nunca. Apenas trocavam cartas apaixonadas.

Abelardo morreu em 1142, com 63 anos, Heloísa ergueu um grande sepulcro em sua homenagem, e faleceu algum tempo depois, sendo, por iniciativa de suas alunas, sepultada ao lado de Abelardo.

Conta-se que, ao abrirem a sepultura de Abelardo, para ali depositarem Heloísa, encontraram seu corpo ainda intacto e de braços abertos, como se estivesse aguardando a chegada de Heloísa.

Em 1817 os restos mortais dos dois amantes foram levados para o cemitério do Padre Lachaise."