terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Um par

Conheceram-se às 4h, do dia 4, no mês de Abril, numa tarde ensolarada, com aquela chuva - fininha - escorrendo pela janela. Estavam na casa de amigos em comum, em uma daquelas sessões de filme que todo mundo inventa e quase ninguém assiste ao que se passa na tela.

Ela, na verdade, estava ali por uma fatalidade. Havia perdido o ônibus para casa depois de um dia de cão e resolvera fazer uma visita a um casal de amigos que moravam por ali.

Ela tinha 24 - ele, 28. Múltiplos de 4.

De início, conversaram sobre coisas genéricas: o tempo, como estava o clima, que calor insuportável, já devia ter começado a esfriar mais! Será que o fim do mundo vai, mesmo, acontecer? Não brinca, tô falando sério. Às vezes, sei lá. Você não pensa nessas coisas? Deus? Não? Sério?

Pouco a pouco, a conversa ficara cada vez mais profunda. Primeiro, as religiões, depois sobre os conflitos existenciais humanos. Psicanálise. Jung. Em meio às frases que escapuliam, no entanto, risos eram soltos, acentuando uma ou outra palavra.

Trocaram seus telefones, sem sequer saber seus nomes. Detalhes que o coração não vê.

Falaram-se novamente às 12h do dia seguinte. Marcaram um café, no meio da tarde. Às 4h. Comprometeram-se a levar CDs dos quais haviam falado no dia anterior. Seriam pontuais. Quase. Quase perfeitamente pontuais.

Encontraram-se e descobriram seus nomes, seus cheiros, suas cores. O cheiro de campo verde que ela tinha no final da tarde - quando o vento soprava mais forte; o azul anil que o olho dele adquiria com o cair da noite; o medo de trovões, o fim recente de um relacionamento, traumas, segredos, confissões, confusões, livros e autores favoritos, manias, manuais, mantras. Mania de colocar o despertador para tocar pelo menos 15 minutos antes do horário que deve, mesmo, acordar, só para ter o prazer de dormir mais um pouco. Mania de espirrar 4 vezes seguidas, um espirro atrás do outro. Mania de se incomodar com as manias bobas dos outros.

Conversaram até o raiar do outro dia, passeando pela cidade, bebendo um vinho e um bom licor. Gostos amargos, doces, azedos - tudo se entrelaçava como num novelo de lã.

Prometeram se encontrar novamente no mesmo local, no fim da tarde, às 4h.

Passaram-se manhãs, dias inteiros, noites, sem que um conseguisse tirar o pensamento do outro. Começaram a namorar, noivaram, casaram. Sempre no dia 4, às 4h, para dar sorte.

Tiveram uma pequenina que a chamaram de Clara. Ana Clara.

Um dia, resolveu mudar: saiu de casa atrasada, foi de táxi para o trabalho, não preparou o almoço, esqueceu o celular, tudo desandou. Chegando à empresa, reuniões intermináveis, uma dor de cabeça sem fim, a sensação de que algo muito ruim iria acontecer. Pensou em ligar para o marido, dizer que, sei lá, estava com um pressentimento, queria dizer que o amava, cantar uma música, i just called to say i love you, um beijo, chego já, amo você, amo mesmo.

O celular dele descarregou.

Antes das 2h, pediu para sair mais cedo do trabalho, queria fazer uma surpresa, foi correndo pegar um ônibus para chegar à tempo ao trabalho do esposo.

Eis, aqui, o momento em que o sol encandeou um dos carros que passavam pela avenida mais movimentada da cidade e, não vendo o sinal vermelho, lhe atropelou.

Talvez seja Deus que não goste de quem duvida de seus desígnios. Ou de quem duvide da felicidade.

Talvez uma fatalidade. Uma fatalidade que lhe tirou a vida. Exatamente igual a que lhe despertara para ela.

Às 3h3, do dia 5, mês 7.
Fatalmente aconteceu.
E nada mais ficou exato.


2 comentários:

  1. owwwwwwwwwwwwwwwwww =(((
    queria nao q ela morresse!! =(((

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  2. Saudades dos teus textos, amiga.
    Uma linda volta e uma fatalidade inesperada. :/
    Amo te ler. :)

    :*

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