sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Diálogo I

- Por que você me chamou aqui?
- Porque queria te ver.
- Você tava com saudade de mim?
- Não. De mim.
- Não entendi.
- Tava com saudade de mim.
- Essa parte deu pra entender. Mas por que você quis me ver?
- Por isso.
- Tá bem. Acho que já vou.
- Você quer beber alguma coisa?
- Você quer falar alguma coisa?
- Acho que não. Só queria te ver. Você quer beber alguma coisa?
- Qual a bebida mais forte que você tem?
- Mais forte? Por que? Você tá bem?
- Eu não queria te ver.
- E por que você veio?
- Porque achei que você tinha algo pra dizer.
- Como assim "algo"?
- Algo. Onde estão as garrafas?
- Que garrafas?
- Da bebida que você ofereceu.
- Mas você quer a bebida ou a garrafa?
- Queria engarrafar o que eu sinto por você e jogar bem longe. Mas, por enquanto, serve só a bebida.
- Eu não te entendo.
- Nem eu.
- Você não se entende?
- Também. Mas também não entendo você.
- Aqui, a bebida.
- Obrigada. Você não vai beber também?
- Acho melhor não. Se eu beber e você também, a gente sabe o que vai acontecer.
- O que vai acontecer?
- Você sabe.
- Eu não sei.
- Então vou beber.
- Bebe. Mas por que, mesmo, você quis me ver?
- Acho que também não entendo.
- E tem que entender?
- Dizem que sim.
- Mas eu não quero. Você quer?
- Acho que não.
- Coloca mais um pouco?
- A gente não devia fazer isso.
- Também acho que você não devia ter me chamado aqui.
- E por que você veio?
- Porque, no fundo, acho que também tava com saudade de mim.
- E quando isso vai passar?
- A saudade?
- Não, a gente.
- Não sei. Dizem que um amor engole o outro. Cadê sua taça? Ela ainda tá cheia. Por que você não tá bebendo?
- É que eu não quero te engolir.
- Ainda bem.
- Mas acho que é preciso. Existem caminhos que não deveriam ter se cruzado.
- O nosso?
- Acho que sim.
- Por que você bebeu tudo de uma vez? Assim você vai passar mal.
- Poeticamente falando, seria uma overdose de amor.
- Não. Se você continuar assim, o que vai acontecer é que você vai acabar no hospital, tomando glicose.
- Mas aí talvez o susto seja grande e eu largue isso de vez.
- Você tá falando de mim ou da bebida? Tá parecendo um alcoólatra.
- Dos dois.
- Por que você é assim?
- Assim como?
- Assim.
- Não sei.
- Você quer beber até esquecer que a gente um dia foi a gente?
- Acho que sim.
- Até o dia amanhecer?
- Acho que sim.
- E se eu te beijar?
- Eu não vou corresponder.
- Você lembra do nosso primeiro beijo?
- Faz tempo.
- Mas você lembra?
- Um pouco.
- Você tem saudade?
- Bebe mais, por favor.
- Você quer que eu te engula?
- Mais que isso.

3 comentários:

  1. Sinto um decrescimo de estima por mim mesma ao me identificar tão profundamente. Me pergunto se li ou sonhei com tal diálogo. Se partiu de ti essas palavras ou se andastes lendo mentes perturbadas pela saudade de si e de outros. Obrigada por materializar essas abstraçoes.

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  2. Sinto um decrescimo de estima por mim mesma ao me identificar tão profundamente. Me pergunto se li ou sonhei com tal diálogo. Se partiu de ti essas palavras ou se andastes lendo mentes perturbadas pela saudade de si e de outros. Obrigada por materializar essas abstraçoes.

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  3. Aaammmmei! Mas ainda bem q n me identifiquei!

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