domingo, 16 de março de 2014

Maria

Ela tinha olhos de girassóis e cílios de passarinho. Guardava, nas pequeninas mãos, um poço de saudade. Andava em moinhos - ligeiro - cavalgando em poesia. Falava alto, gargalhava, explodia sorrisos - em forma de estrelas. Mas morava ao lado do espanto.

Beirava o rio - e o mal.

Acordava todo dia com o tamborilar da chuva. Dormia, porém, ao som da voz terna de uma mulher cujas mãos não eram tão suaves assim - calejadas. Pela vida. A mulher que cantava, sorria e murmurava, baixinho: "Dorme, menininha. Que qualquer dia desses, acredita, o amor volta". E, em seus sonhos, ela acreditava.

Esperava, como quem espera incertezas. Escutava o som das batidas nas portas como quem escuta o primeiro tilintar do sino da noite de Natal. Esperança. Depois, ouvia os passos começarem a se distanciar - e imaginava. Esperava, esperava, esperava, como quem nunca iria cansar de esperar. Ela acreditava. E, por acreditar, o bem existia.

Ouvia o respingar da chuva, e lembrava. Do (seu) amor. Porque eis a melhor prova de amor que Deus nos dá. E, ela, também em silêncio, pedia, baixinho: "Papai do céu, por favor, por favorzinho. Deixa ele voltar". Depois, voltava a dormir.

Tinha perdido os movimentos, mas não a esperança. Fora fruto de um mal perdido. Uma bala, na verdade, que, perdida, a encontrou.

Era só uma menininha. E se chamava Maria.

(continua...)

Nenhum comentário:

Postar um comentário