segunda-feira, 4 de maio de 2015

me escondi por dentre teus cabelos brancos, tua barba branca, teu sorriso torto, teu rosto em desalinho. em zigue-zague, como o emaranhado dos teus fios bagunçados, saí, correndo, destinada a nunca mais te ver chorar. me escondi entre teus cílios, teus pêlos, tua pele. como tatuagens feitas de sangue, quis escrever sobre teus poros, em letras garrafais, o amor que sinto por ti. observei atenta os teus números, teus laudos, tua vida, tua prece. sob as estrelas dos teus soluços, calculei a eternidade: era ali onde queria ficar. ao teu lado, por perto, por dentro, em teu peito, aninhada, como dias, meses, anos, décadas, séculos atrás. acariciei calendários, relógios, cronômetros, o tempo, na esperança de voltarmos vinte anos além. joguei baralhos, conquistei impérios, reabri tabuleiros, escupi dados, brinquei com a sorte, criei chamados, apenas te esperando voltar. arrumei a casa, o quarto, armários, escrevendo cartas, textos, teu ninho, costurando tua voz, ainda fraquinha, nos meus sonhos. tropecei nas tuas dores,  teus ais, teu chão em largas veias, com medo de, aí, você me ver chorar. preparei meu melhor prato, em tua mesa, um banquete, cheio de gratidão. te enviei sorrisos, suspiros, meus sopros, meus sonhos, uma prece, em coro, em vida, em breves sinais. fiz das tuas agulhas nossos bordados, das tuas quedas nossos sentidos, dos teus orgulhos nossos relentos. te pedi o impossível, almejei o improvável, discuti com deuses, santos, anjos e canibais. desarrumei o universo, desconsertei os nossos astros, devorei as linhas tortas, te escrevi em novas linhas: meus sonhos, em vida, serão sempre uma parte de ti.

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